Biografia
Maria de Fátima Palha de Figueiredo (Belém, Pará, 1956). Cantora, compositora. Canta desde os nove anos. Incentivada por Roberto Santanna, produtor do Quinteto Violado, passa a se apresentar em público. Estreia como cantora profissional no espetáculo teatral Tem Muita Goma no Meu Tacacá (1973). Muda-se para o Rio de Janeiro em 1974. Participa de espetáculo com Zé Rodrix (1947-2009), na boate Pujol e, depois, nos teatros da Lagoa e Casa Grande. Apresenta-se com Sérgio Ricardo (1932), em Belém, e no Teatro Vila Velha, em Salvador.
Chega às paradas de sucesso em 1975, com a música “Filho da Bahia”, de Walter Queiroz (1944), música incluída na trilha da novela Gabriela, da TV Globo. No mesmo ano, lança compacto pela Polydor, com as músicas “Naturalmente”, João Donato (1934) e Caetano Veloso (1942), e “Emoriô”, Gilberto Gil (1942) e João Donato. Em 1976, lança seu primeiro LP, Tamba-Tajá.
Grava pela Philips o LP Água (1977) e, nos anos seguintes, Banho de Cheiro (1978) e Estrela Radiante (1979). Em 1980, lança, pela Polygram, Crença e, em 1982, Essencial, no qual suprime “de Belém” de seu nome, assinatura que volta em Salinas (1983), pela Som Livre.
Em 1984, durante o movimento “Diretas Já”, interpreta, no comício da Candelária, o “Menestrel das Alagoas”, de Milton Nascimento (1942) e Fernando Brant (1946-2015), em homenagem ao senador Teotônio Vilela (1917-1983), e canta o “Hino Nacional Brasileiro” ao presidente eleito Tancredo Neves (1910-1985).
Em meados dos anos 1980, consagra-se como cantora romântica, com canções como “Bilhete” e “Minha Estrela”, de Ivan Lins (1945) e Vítor Martins (1973), e “Memórias”, Leonardo (1963), vendendo 500 mil cópias do álbum Atrevida (1986). Grava, em 1989, o disco Fafá, com as canções “Amor Cigano”, de Michael Sullivan (1950) e Paulo Massadas, “Nuvem de Lágrimas”, de Paulo Debétio (1946) e Paulinho Resende (1949), com participação da dupla Chitãozinho (1954) e Xororó (1957).
Recebe disco de platina, em Portugal, pelo CD Meu Fado (1992). Em 1993, lança Do Fundo do Meu Coração. Em Pássaro Sonhador (1996) registra, além de canções românticas, toadas e carimbós da região amazônica. Em Maria de Fátima Palha Figueiredo (2000), interpreta canções de Dori Caymmi (1943), Chico Buarque (1944), Herbert Vianna (1961), Lenine (1959) e Waldick Soriano (1933-2008).
Lança, em 2002, Piano e Voz, gravado ao vivo no Teatro Rival, Rio de Janeiro, e Canto das Águas. O primeiro, com João Rebouças (1957) ao piano, tem sonoridade que beira o jazz, e o segundo, resgata suas raízes paraenses. Em 2004, lança o CD Tanto Mar, só com composições de Chico Buarque, que participa da faixa título. Lança, em 2006, o CD e DVD Ao Vivo, gravado no Theatro da Paz, em Belém. Participa da primeira temporada da série de shows Terruá Pará (2006-2011), no Auditório Ibirapuera, São Paulo, ao lado de Dona Onete (1938), Mestres da Guitarrada, Nilson Chaves (1951) e Gaby Amarantos (1978).
Integra o júri do reality show musical Ídolos, da TV Record, e tem seus três primeiros discos reunidos na caixa Três Tons de Fafá de Belém, pela Universal, em 2012. Depois de oito anos longe dos estúdios, volta com o álbum Do Tamanho Certo Para o Meu Sorriso (2015), em comemoração aos 40 anos de carreira.
Analise da trajetória
Intérprete das mais versáteis, Fafá de Belém transita entre a música regional do Norte do país, os gêneros populares de viés romântico – considerados bregas –, e os cânones da MPB, como os dos compositores Chico Buarque, Edu Lobo (1943), Ivan Lins e Caetano Veloso. A cantora não hierarquiza estes universos, registrando-os quase com a mesma frequência. Sua voz de mezzo-soprano favorece que cante em múltiplas tessituras, escolhendo um repertório que abrange guarânias, fados, lambadas, carimbós, baladas, sambas-canção, rock, boleros, dos quais ela participa também na concepção dos arranjos e criação de versões.
Nascida em uma família de classe média alta, descendente de portugueses e caboclos, forma seu acervo com diversas matrizes culturais. Como muitas cantoras de sua geração, é influenciada por Maysa (1936-1977), Ângela Maria (1929), Cauby Peixoto (1931) e Orlando Silva (1915-1978), além dos intérpretes da Jovem Guarda. Outra influência são os boleros e lambadas, gêneros executados nas rádios AM de Belém durante sua juventude.
Essa diversidade está presente em seus primeiros trabalhos, com representantes da música paraense, como Waldemar Henrique (1905-1995), Paulo André, Ruy Barata (1920-1990) e Edyr Proença (1920-1998), e abarcam compositores de outras regiões, como o pernambucano Luiz Gonzaga, o gaúcho José Fogaça (1947), e os mineiros do Clube da Esquina: Milton Nascimento e Fernando Brant. A convivência na juventude com Fagner (1949), Milton e Wagner Tiso (1945) influencia sua trajetória. Ao lado deles participa da descentralização da produção musical do eixo Rio-São Paulo nos anos 1970.
Embora tenha participado de momentos políticos, não envereda pela canção de protesto. Em sua obra, destacam-se os temas românticos, havendo espaço, também, para a religiosa “Ave-Maria” [parceria entre Vicente Paiva (1908-1964) e Jaime Redondo (1890-1952)] e para as manifestações populares, tais como o Boi de Parintins. Sua voz consagra a toada “Vermelho” [Chico da Silva (1945)], que se torna uma espécie de hino do Boi Garantido1.
Não se restringe ao rótulo de cantora regional. A partir dos anos 1980, inclui autores menos aclamados pela crítica. Em 1986, com o álbum Atrevida, alcança um público que não se limita aos ouvintes de MPB. Grava hits românticos como “Meu homem” [versão da cantora para “Nobody Does It Better”, interpetada por Carly Simon (1945)] e “Cavalgada”, de Erasmo Carlos (1941) e Roberto Carlos (1941). Nos trabalhos seguintes, obtém o mesmo sucesso de vendas com “Meu Dilema” (Michael Sullivan e Leonardo) e “Meu Disfarce”, de Chico Roque (1953) e Carlos Colla (1944).
Ao abranger um território indefinido, sua obra encontra resistência de um lado ou outro. Por incluir gêneros e autores relacionados à música considerada brega ou “popularesca”, é rechaçada pelos ouvintes e autores ligados à MPB, entendida quase como uma sigla de identificação político-cultural2. Exemplo disso é assumir, com recursos próprios, a gravação de um disco apenas com músicas de Chico Buarque, Tanto Mar (2004), incentivada pelo próprio empresário do compositor, Vinícius França, que assina a produção do álbum de Fafá.
A diversidade de gêneros e a multiplicidade de estilos documentam a mudança nos padrões de instrumentação e arranjo nas gravadoras. Em seus trabalhos dos anos 1980, teclados e sintetizadores tornam-se mais frequentes. A cantora desempenha papel importante ao abrir caminhos para outras tendências dentro da música popular. Grava lambada e divulga o carimbó, nos anos 1970, quando estes gêneros ainda são desconhecidos no Sudeste. Pela sua voz, “Nuvem de Lágrimas” é executada nas emissoras FM do Rio de Janeiro, primeira do gênero sertanejo, num ambiente em que a MPB é hegemônica.
Nos anos 1990, a cantora aproxima-se do fado, reunindo clássicos portugueses e interpretações de canções brasileiras adaptadas ao gênero. Sua versão de “Memórias”, com arranjo de fado, recebe mais de dez regravações em Portugal. A cantora torna-se tão prestigiada no além-mar que a torcida do Benfica, de Lisboa, substitui o hino oficial do clube pela toada amazônica “Vermelho”.
No mesmo período, a intérprete condensa as características de sua obra das décadas anteriores. Em Do Fundo do Meu Coração (1993), seleciona desde músicas do rock brasileiro, como a que dá título ao álbum, de Erasmo Carlos e Roberto Carlos, a clássicos do cancioneiro popular, como “Lábios que beijei”, de J. Cascata (1912-1961) e Leonel Azevedo (1908-1980), e também da MPB, com “O Quereres” (Caetano Veloso), transformada em samba-reggae. Compõem ainda o álbum “Tudo acabou”, do compositor português Carlos Paião (1957-1988), e uma versão feita pela própria Fafá de “Estrelitas e duendes” do dominicano Juan Luis Guerra.
Seu último trabalho, Do Tamanho Certo Para o Meu Sorriso, reaproxima a cantora dos compositores conterrâneos, trazendo um brega assumido. Com voz mais grave e vigorosa, desenvolve interpretações que vão do mais dramático (“Volta”) ao mais sutil (“Asfalto Amarelo”). O repertório é garimpado por Fafá e o DJ Zé Pedro, com produção musical e arranjos dos músicos paraenses Felipe Cordeiro (1985) e Manoel Cordeiro. Sintetiza melhor o padrão de seus primeiros LPs, levado pelo suingue da guitarrada, em diálogo com os clássicos da Jovem Guarda, boleros e MPB.